OUTRAS
COMUNIDADES
DANILO SANTOS DE MIRANDA
Diretor do Sesc São Paulo
O Estado-nação busca nos convencer do pertencimento a uma comunidade coesa, portadora da mesma língua, cultura e história – em detrimento das tradições minoritárias. O povo de um país personifica a identidade nacional, resultante do predomínio de certos valores e modos de vida. Se o capitalismo estimulou essa geografia política, ele também a recria ao sabor de seus interesses. Com a explosão do livre mercado mundial, a soberania do Estado-nação é abalada, ao passo que suas fronteiras são relativizadas. Marcado pelo trânsito de coisas, pessoas e ideias, o mercado espraia-se pelo globo, impondo seus critérios.
Contudo, ao mesmo tempo que os países têm suas fronteiras borradas, nacionalismos ressurgem por toda parte. Um de seus sintomas aparece na repulsa ao estrangeiro, algo que se acirra com os atuais movimentos imigratórios – desencadeados pelo próprio descontrole do sistema de produção e acumulação capitalista e pelos conflitos que ele gera. Frente a esse dilema, somos convocados a repensar a pertinência da organização do Estado em função de valores nacionalistas.
Sensível a tais problemáticas, o campo da arte mostra-se favorável à imaginação de outras maneiras de constituir comunidades, baseadas em identificações e processos alternativos aos da pátria – tendo em conta as injustiças e dívidas históricas que os Estados nacionais carregam consigo. É dessa conjuntura que provém o recorte curatorial da itinerância da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil.
Comunidades Imaginadas reúne experiências artísticas dispostas a conceber o comum e seus respectivos laços a partir de aspectos e compromissos não hegemônicos. Na condição de instituição sociocultural afeita ao exercício da imaginação de possíveis, ao Sesc compete repercutir e mediar perspectivas plurais, com vistas a contribuir para o processo de reavaliação e reinvenção do nosso lugar no mundo.
VISÕES
COMPARTILHADAS
SOLANGE O. FARKAS
Diretora artística da Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil e curadora da Itinerância
Inaugurada em outubro de 2019 em São Paulo, a 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades imaginadas toma de empréstimo o título do clássico estudo de Benedict Anderson para pensar nos tipos de organização social e comunitária que se constroem com base em afetos, afinidades e identidades compartilhadas, e ocupam espaços além, às margens ou nas brechas dos Estados-nação.
Um recorte significativo da exposição, que passou pelo Sesc 24 de Maio em 2019, chega agora ao Sesc Campinas, congregando obras que ampliam as vozes e os sentidos do fazer comunitário a partir de um olhar sobre grupos refugiados de seus territórios originais e comunidades místicas, clandestinas, fictícias, utópicas ou constituídas nos universos subterrâneos de vivências corporais, sexuais.
Regiões diversas do Sul geopolítico – África, Oriente Médio, Sudeste Asiático, América Latina – estão representadas nessas narrativas, que atestam como negros, indígenas, mulheres, LGBTQI+ e outros grupos minorizados aprofundam práticas comunitárias para salvaguardar direitos arduamente conquistados frente à onda de obscurantismo que ameaça liberdades fundamentais. Além de obras premiadas ou comissionadas pela Bienal, o programa inclui outros trabalhos participantes, que reforçam temas centrais.
Um conjunto de conteúdos digitais complementa a exposição, incluindo duas conversas ao vivo com artistas participantes sobre assuntos candentes – racismo e a presença/representação de negros e indígenas nas artes e no audiovisual – e versões editadas de uma série de debates realizados no âmbito dos Programas Públicos da Bienal. A programação digital expande a potência de encontros únicos em um momento de mobilidade reduzida e distanciamento social.
As itinerâncias da Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil acontecem desde a década de 1980, levando o resultado do trabalho exaustivo de pesquisa que sustenta a Bienal além do circuito cultural da capital paulista . Ao dar visibilidade, em outros contextos, a um conjunto expressivo das obras e visões reunidas nessas exposições, elas contribuíram em duas frentes fundamentais: a formação de público e a ampliação do circuito de arte contemporânea no Brasil e no exterior.