Hiwa K
1975 | Jaloula, Iraque | Vive em Berlim, Alemanha
SOBRE | DEPOIMENTO
Artista visual nascido no Curdistão iraquiano, estudou filosofia e literatura europeias de maneira autodidata. Mudou-se para a Europa em 2002 para estudar música e se estabeleceu na Alemanha. Seus trabalhos criticam a profissionalização da prática artística e a individualização da figura do artista. Participou da documenta 14, em Atenas (2017), e das bienais de Veneza (2015) e do Mercosul, Porto Alegre (2009).
Em This Lemon Tastes of Apple, minha obra apresentada na 21a Bienal, somos levados para o interior de uma manifestação em Suleimânia, no Curdistão, em 2011. Não o vejo como um vídeo sobre o protesto, mas como um protesto em si. Não posso nem chamar de obra de arte, porque você não pensa em fazer uma obra de arte em vídeo em uma situação em que pode ser esmagado.
Naquele dia, as milícias começaram a atirar gás lacrimogêneo e balas, que mataram dez pessoas e feriram quase 500. Durante o protesto, que estava quase se encerrando devido a essa violência, que atingiu o ápice naquele dia, alguém precisava dar outro empurrão para reavivá-lo (o que na hora pareceu até um pouco heroico). Peguei emprestados de uma loja de música uma guitarra e dois megafones e pedi a meu amigo Daroon que tocasse e peguei minha gaita, e então começamos a caminhar na direção das milícias. Nem sequer usamos uma câmera, pois sabíamos que estávamos sendo filmados por todos os lados. Na verdade, um dos cinegrafistas é Kamaran Najim, que nos cedeu boa parte do material que você vê no vídeo. Ele foi sequestrado pelo ISIS em 2015 e nunca mais ouvimos falar dele.
Sabemos que o título da obra tem um papel importante. Em 1988, o exército de Saddam Hussein promoveu um genocídio dos curdos, matando milhares de pessoas usando armas químicas, no que ficou conhecido como o massacre de Halabja. O gás inalado, segundo os sobreviventes, tinha cheiro de maçã. O cheiro, desde então, tem uma forte associação com a memória política do país. O limão também havia sido usado nas manifestações de 2011 para aliviar o impacto do gás lacrimogênio. Usar a referência a esses dois cheiros – algo ao mesmo tempo etéreo e delicado – para associar esses dois acontecimentos brutais me parece um modo novo de abordar esses atos de resistência ao poder estabelecido.
Em This Lemon..., também busco me referir a duas formas de totalitarismo: um da época de Saddam Hussein, que era o modelo clássico, como nos anos 1930, quando uma única pessoa detinha o poder da totalidade do país; e o novo modelo de totalitarismo, em que o mercado detém todo o poder. Se aprendemos com Naomi Klein que a Guerra do Iraque foi um projeto neoliberal para forçar o país a privatizar tudo o que era público e que permitiu que diferentes investidores estrangeiros, como a Monsanto, entrassem no Iraque, entre outros projetos, vimos que eles atingiram seu objetivo no norte do Iraque. Esse protesto era contra isso.
This Lemon Tastes of Apple
2011 | Vídeo, 12’
A câmera acompanha dois músicos que, em meio ao protesto de 17 de abril de 2011 em Suleimânia, no Curdistão iraquiano, tocam o tema que Ennio Morricone compôs para o duelo de caubóis de Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone. Diferentemente do filme, porém, a luta aqui se dá entre pessoas desarmadas e as bombas de gás lacrimogêneo da repressão policial. Asfixiados pelo gás, os manifestantes usam suco de limão para se desintoxicar, e o cheiro frutado remete a outra repressão: o ataque genocida de Saddam Hussein contra o povo curdo em 1988, quando as armas químicas deixavam um cheiro de maçã no ar e na memória dos sobreviventes. O vídeo sugere a permanência dessa história nos protestos de 2011 (que deixaram pelo menos dez mortos e 400 pessoas feridas) contra um governo curdo supostamente democrático.