Megan-Leigh Heilig
1993 | Nelspruit, África do Sul | Vive em Gent, Bélgica
SOBRE | DEPOIMENTO
Artista visual e mestra em artes visuais (MFA) pela Universidade da Cidade do Cabo, seu trabalho utiliza múltiplas linguagens para abordar questões sociopolíticas a partir de sonhos, lembranças e histórias pessoais. Participou da Bienal de Kampala (2016), e de festivais de cinema e vídeo em países como Camarões, Espanha, Inglaterra e Japão.
Minha vida cotidiana e minhas atividades permeiam meu trabalho de maneira muito profunda. Fui criada pelos meus avós, cercada pelas histórias deles, na mesma casa em que meu pai foi criado. Penso que isso teve um impacto no modo como eu trabalho e em como vejo minha relação com os lugares, as cidades e as pessoas. A colaboração e o amor radical são modos importantes de se trabalhar – em minha prática o amor é sempre queer e a colaboração é um processo de criação de um lugar. A forma como definimos o amor e o distinguimos do abuso é a única maneira de curar o “desamor” que domina tantas sociedades.
Sexualidade, raça, classe e gênero são no momento, e talvez sempre tenham sido, questões de estado, sob o controle das condições sociais que governam os modos como nos movemos. De um modo ou de outro, essa tem sido uma preocupação em todos os filmes que já fiz. Meu pai é gay e toda a minha formação e as minhas relações com noções de família e “pai” se fundamentam nessa experiência vivida. Portanto, desde criança conheço intimamente a fluidez da sexualidade, e que um homem casado com uma mulher não é necessariamente heterossexual, nem necessariamente queer.
Eu vejo a câmera nos meus filmes como um personagem de uma comédia policial ruim. Ela é a testemunha pouco confiável, a cúmplice que acaba se entregando e a refém que não se lembra de nada. Não sei se ela realmente registra a “realidade” ou se apenas constrói imagens reconfiguradas de histórias que ela ouviu um dia de alguém que ela conheceu. Ela registra os semblantes das pessoas que ela ama, pergunta sobre lugares aonde foi e de coisas que ela mesma ainda não entende. Ela aceita o fato de que é uma arma: ela dispara, algo é capturado ou perdido e, na melhor das hipóteses, o que se revela muitas vezes é apenas um vestígio de algo que existiu ali antes.
Entretanto, embora esses vestígios possam ser intrinsecamente violentos, eles são profundamente importantes. Esses vestígios nos lembram de o que significa ser humano. Eles mostram como a resistência é possível mesmo quando entranhada na opressão. Esses vestígios são produto das intersecções entre lugar, sexualidade, raça, classe e gênero, mas ao mesmo tempo nos mostram como nos superamos, como somos flexíveis e acabamos encontrando o meio-termo ou outro contexto. Mesmo que temporariamente ficcional, essa construção pode ser um lugar para resistir ou expandir as definições que nos restringem.
The Politics of Choice and the Possibility of Leaving
2018 | Vídeo, 15’
Uma conversa íntima, ao pé do ouvido, entre um casal de namoradas. Quando não estão recolhidas no quarto, elas se aventuram por estradas para descobrir paisagens. Nesse momento, no entanto, outro tipo de viagem está para acontecer. A artista documentou, na obra, os dias que precederam sua viagem da África do Sul à Bélgica, onde iria viver. Sua namorada, por outro lado, depois de anos vivendo na África do Sul, teria de voltar a seu país de origem, a Namíbia, onde a homossexualidade é criminalizada. A complexidade das fronteiras, dos percursos e das identidades é o fio condutor dessa espécie de diário lírico de uma partida.