Marilá Dardot
1973 | Belo Horizonte-MG, Brasil | Vive em Lisboa, Portugal
SOBRE | DEPOIMENTO
Em seu trabalho, Dardot tem a temporalidade, a palavra e a prática de ler e escrever como referência maior. Seja aludindo a obras literárias e filosóficas ou à materialidade do livro, suas instalações, vídeos, ações, publicações e objetos exploram outros modos de percepção da linguagem e de seus possíveis suportes. Formada em comunicação social pela UFMG (1996) em artes plásticas pela Escola Guignard (1999), é mestre em linguagens visuais pela Escola de Belas Artes da UFRJ (2003). Expôs em mostras individuais na Galerie Krinzinger, Viena, Áustria (2014); Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro (2011); e em coletivas no Contemporary Art Centre, Vilnius, Lituânia (2017); Museu de Arte Moderna de São Paulo (2005, 2007, 2013 e 2016); e na 27ª e 29ª edições da Bienal de São Paulo (2006 e 2010), entre outras.
Em 2016, publiquei o Livro de Colorir – Retrospectiva 2015, que reunia 48 imagens baseadas em fotos publicadas nos dois maiores jornais brasileiros e traduzidas em desenhos pela artista Estela Miazzi. Aqui, o ato de colorir, ao contrário de uma “terapia antiestresse”, provocava um enfrentamento crítico da realidade. Em 2018, colori alguns dos desenhos, referentes a fatos brasileiros, usando crayon negro. Para a 21ª Bienal, atualizei o trabalho ao acrescentar fotos publicadas entre 2016 e 2019, que foram traduzidas em desenho pela artista Manuela d’Albertas.
A pequena quantidade de novas imagens, determinada pelo espaço disponível, levanta muitas questões: como eleger apenas 12 fatos desses últimos anos de tantas mudanças? Como não ser partidária em um cenário político cada vez mais polarizado? Como reviver todos esses acontecimentos em tão pouco tempo e conseguir ter distanciamento para organizar uma seleção? Confesso que foi um processo difícil e certamente falho.
A maneira como consumimos notícias, a lógica da informação, a velocidade, tudo isso costuma anestesiar a visão. Acredito que a arte pode ajudar na formação de uma resistência ao nos fazer repensar nossa percepção do mundo. Ao olhar de novo e colorir aquelas imagens muitas vezes esquecidas pela velocidade com que somos expostos cotidianamente às notícias, acabamos por reviver e refletir sobre aqueles acontecimentos, sobre como são tratados pela grande mídia e por nós mesmos.
Com meu trabalho, sempre quis atuar de forma a provocar uma pausa para reflexão. A grande crise política, ideológica, ética, econômica e ambiental em que vivemos nos últimos anos me fez deixar um pouco de lado o universo da literatura, muito presente no meu corpo de trabalho, seu caráter mais poético e intimista, e redirecionar minha atenção para narrativas que constituem o que chamamos de “realidade”.
Ao reapresentar aquelas imagens, talvez já esquecidas, e propor sua reinterpretação, ao estender o tempo que dedicamos a elas, Livro de Colorir tenta lançar luz não apenas sobre os fatos e como lidamos com eles, mas também sobre como se comporta a imprensa no Brasil e o quanto colabora, em doses homeopáticas, na produção de uma psicoesfera.
Livro de Colorir (Brasil, 2015) e Livro de Colorir (Brasil, 2017-2019)
2018-2019 | Impressão a jato de tinta e lápis de cor, crayon e carvão sobre papel
Em 2016, Marilá Dardot lançou seu Livro de Colorir – Retrospectiva 2015, questionando o fenômeno editorial e comportamental dos livros de colorir para adultos. No conjunto proposto pela artista, as imagens para colorir são desenhos baseados em fotos impactantes do ano de 2015, publicadas em jornais brasileiros. Dois anos depois, a artista selecionou imagens do livro relativas a atentados e as coloriu com lápis de cor preto, dando-lhes um caráter ambíguo, em que memória e esquecimento se tornam latentes. Ao contrário de “terapia antiestresse”, o ato de colorir é ressignificado e provoca o confronto com uma realidade dura, muitas vezes trágica, que tentamos esquecer.