Noe Martínez
1986 | Morelia, México | Vive na Cidade do México
SOBRE | DEPOIMENTO
Valendo-se da reconstrução como operação estética, o trabalho de Martínez parte de sua história pessoal para posicionar-se criticamente diante dos fenômenos sociais. Questões como a reivindicação étnica dos povos indígenas do México e o potencial político da memória estão no centro de suas reflexões sobre elaboração do passado comum. Seu trabalho foi exibido em diferentes museus do México – MUAC, Fundação Alumnos47, Museu de Arte Carrillo Gil, Museo Amparo, entre outros – no Palazzo Mora, em Veneza, no Art Center Kunstquartier Bethanien, em Berlim, e na Escola de Arte e Design, em Genebra. Recebeu o prêmio Ojo Alba Brothers pelo melhor documentário do XV Festival Internacional de Cinema de Morelia, e fez parte da seleção oficial do festival Native Crossroads, em Oklahoma, nos Estados Unidos.
Para mim, os documentos têm duas dimensões: uma é a informação que contêm enquanto fontes históricas e outra é sua materialidade em si mesmos, o papel ou o objeto. Esses temas têm grande potencial fenomenológico, e a relação das pessoas com o passado nessas duas dimensões é para mim um problema fundamental da arte. Minha relação com as fontes históricas é muito pessoal, e penso que os documentos podem ser usados para identificar problemas sociais no presente.
Nasci em Michoacán, estado onde se localiza a cidade de Cherán. Há alguns anos me formei na Universidade das Artes na Cidade do México e quis estudar o contexto de Michoacán, de modo que comecei meu trabalho de campo ali porque queria entender a relação entre os purépechas do tempo da invasão europeia, em 1540, e os purépechas de hoje em dia.
Eu queria entender o modo como a cultura indígena havia resistido às devastações promovidas pela cultura ocidental e como havia uma continuidade das demandas do povo de Cherán, e percebi como formas políticas muito inovadoras – que correspondem a problemas atuais como ecologia, democracia, identidade – retomam seus modos de organização ancestrais.
Penso que as formas culturais indígenas já estão com eles há muitos anos.
No contexto dos movimentos sociais dos povos originais do México, essas formas culturais são muitas vezes potenciais, e são seu capital simbólico.
No processo de autonomia de Cherán, muitas formas culturais, enquanto produções artísticas, ganharam visibilidade, mas também modos de se relacionar e de organizar o poder emergiram da cultura original. Nesse sentido, meu vídeo Interrupción del Sueño associa ideias de práticas culturais e processos sociais da autonomia indígena.
Interrupción del sueño
2018 | Vídeo, 24’12’’
A interrupção do sonho surge como uma investigação de documentos indígenas coloniais do século XVI em Michoacán, com os atuais Purepechas que habitam esse estado no México. O vídeo surge do trabalho realizado na comunidade de Cherán, que conquistou sua autonomia em 2011, depois de se levantar e expulsar traficantes de drogas e partidos políticos de seu território. Em meio a máscaras, música, procissões e rituais, a peça narra a mudança dos 12 conselheiros (keris) que compõem o Conselho Maior do Governo Comunal, corpo coletivo de poder de Cherán. O espectador encontra uma nova dimensão simbólica da representação política do coração dos movimentos sociais indígenas do México.