Mohau Modisakeng
1986 | Johannesburgo, África do Sul | Vive entre Johannesburgo e Cidade do Cabo, África do Sul
SOBRE | DEPOIMENTO
Artista visual. Possui graduação e mestrado pela Michaelis School of Fine Art, na Cidade do Cabo. Seu trabalho procura reelaborar a história do corpo negro no contexto sul-africano, marcado pela violência do Apartheid. Entre suas principais exposições estão individuais em instituições e festivais na África do Sul, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Holanda e Inglaterra, além de participações nas bienais de Veneza (2015 e 2017), Lyon (2015), Dakar (2012) e Martinica (2013).
O trabalho que faço funciona como um espelho de um mundo habitado por diferentes corpos. No meu trabalho fotográfico, por exemplo, esses corpos são tão materiais quanto as paisagens, os cenários, e os objetos enquadrados na obra. Em uma prática fotográfica autorreflexiva, onde o corpo está no centro da imagem e da narrativa, como na maior parte dos meus trabalhos, a materialidade se torna o veículo através do qual o sentido pode ser inscrito e retido. O material também pode operar para prescrever/descrever um contexto particular em uma obra. Na maioria dos casos, o material ou o corpo é muitas vezes a narrativa.
A arte sempre teve o papel de espelhar a sociedade, especialmente ao abordar criticamente as memórias e o legado do colonialismo e do apartheid. A arte precisa refletir as experiências vividas de um momento em particular do tempo. Mas a arte também pode ser um modo de reter a memória através da cultura. Por isso, a arte pode ser reflexiva tanto como um espelho quanto como uma janela para nosso passado. Assim, em um contexto em que o colonialismo engendrou o apagamento da cultura africana como meio de explorar a terra e o povo, o papel da memória é central para moldar o futuro da África na era pós-colonial.
Em um estado industrial racializado, a mão-de-obra é um recurso indispensável. Nesse sentido, a descoberta de ouro e diamantes na África do Sul removeu todos os entraves à exploração em massa dos corpos, em sua maioria de homens negros, para cavar o terreno e extrair a riqueza mineral sob condições de escravidão. No meu trabalho, a predominância da figura masculina é resultado de uma reflexão biográfica das minhas experiências de vida, mas também representa o meu interesse no papel da masculinidade e da raça na história sul-africana. Em grande medida, a violência e a discriminação social do Estado racista sul-africano foram expressas no tratamento brutal contra o corpo negro masculino.Ga Bose Gangwe
2014 | Vídeo, 2’15’’
O vídeo mostra um grupo de homens. O contraste entre os corpos negros e o fundo claro é realçado pela imagem em preto e branco, assim como pelas saias brancas e bufantes em relação aos dorsos nus e magros. Deitados, os homens se movimentam para se levantar, mas não chegam a concluir o ato: antes que fiquem de pé, o vídeo reverte o movimento, devolvendo-os à posição inicial, na qual, no entanto, eles não permanecem. O loop em câmera lenta transforma as ações incompletas numa dança em que tédio, expectativa, frustração e beleza se complementam. O título sugere a ironia desse impasse esperançoso, sendo parte do provérbio tsuana “Phiri o rile ga bose gangwe”, que pode ser traduzido como: “A hiena disse: a alvorada não chega só uma vez”.
The Last Harvest
2019 | Performance, 40’ aprox.
O Brasil foi o último país do continente americano a abolir formalmente a escravidão. Isso faz com que tenham um caráter de documento histórico raro as fotos de escravizados trabalhando numa fazenda de café no Vale do Paraíba, em São Paulo, tiradas por Marc Ferrez em 1882. O artista usa essas fotos como referência para uma encenação alegórica das tensões entre o escravizado, ansioso por se libertar, e o escravizador, que tenta impedir a libertação iminente. A performance inclui-se na longa pesquisa de Modisakeng sobre a escravidão instituída em diversas sociedades ao redor do mundo e, em especial, sobre a exploração dos corpos negros na formação das economias modernas.