Nilbar Güreş
1977 | Istambul, Turquia | Vive entre Istambul e Viena, Áustria
SOBRE | DEPOIMENTO
Trabalhando com fotografia, colagem, desenho e vídeo, desenvolve uma abordagem teatral e performativa, com narrativas frequentemente bem-humoradas, em forte tom crítico e político. Mestre pela Academia de Belas Artes de Viena, sua abordagem é baseada em pesquisas de longo prazo, observação cultural e práticas de trabalho de campo em que vive com seus protagonistas e experimenta seu modo de vida. Opressão e desigualdade de gênero são alguns dos temas frequentemente tratados em sua obra.
A arte é apenas uma parte muito pequena do nosso mundo, mas o visual é mais rápido que a linguagem, e capaz de transmitir sentimentos muito mais depressa que as palavras. No meu trabalho, geralmente proponho outra ideia ou circunstância para transformar as que são dadas, mas às vezes deixar as pessoas enfrentarem situações que elas normalmente evitariam pode também ser um plano para fazer com que tomem consciência de suas impressões cotidianas. Para mim, o feminismo é uma das formas dessa resistência associada à justiça no mundo, mas é também uma atitude natural que pode ser adotada por todos, não apenas pelas mulheres. Meu trabalho geralmente se concentra na injustiça social, nas relações humanas, na história, nas políticas identitárias locais e globais. Evidentemente, tenho interesse na resistência em geral; por exemplo, como as coisas foram feitas na prática na história da resistência às políticas fascistas e sexistas? E quais são essas práticas hoje em dia?
A obra que estou apresentando, Torn, começou com minha amizade com Didem. Conheci minha amiga Didem em Istambul no dia da parada do orgulho trans há alguns anos. Na ocasião em que nos conhecemos, ela tinha feito uma cirurgia nos seios e havia acabado de começar a trabalhar como profissional do sexo trans em Istambul, em um bairro não muito seguro em muitos aspectos. Didem estava considerando se mudar para outro bairro que pudesse ser mais seguro para ela, mas, nesse ínterim, algo terrível aconteceu. Didem foi raptada por três homens que a roubaram e cortaram seu pescoço. Ela quase não sobreviveu. Fiquei chocada quando recebi essa notícia horrível. Logo após esse incidente, Didem se mudou. Depois de uma longa conversa com minha amiga Didem, resolvi fazer Torn com o apoio dela.
Torn é uma obra, uma reação à conclusão negativa de momentos/atos violentos comuns marcados pelas políticas sexistas e homofóbicas dominantes. Torn pode também ser vista como um documento desses resultados políticos. A política desumana dominante cria uma falsa memória para manipular e apagar nossa percepção subjetiva e suas evidências. A normalização da violência social é definitivamente um dos métodos mais fortes dessa tendência. A violência humana é uma criação de nosso comportamento pessoal e também de nossos votos; ela é construída social e politicamente por nós mesmos.
Torn
2018 | Instalação composta de vídeo (6’), fotografia e tecido
Torn pede ao espectador que considere o discurso do poder social e o modo como ele forma comunidades periféricas, enfatizando experiências específicas das mulheres trans na Turquia. O vídeo parte de Didem, uma prostituta trans que encara a câmera em posição vulnerável, mas forte: ombros para a frente, braços atrás das costas e contato visual permanente com o espectador. Enquanto um ruído persistente soa como um erro técnico, a câmera em zoom cria uma intimidade por meio da observação e do detalhe. Uma cicatriz no pescoço parece lembrar que, desprotegidas e muitas vezes extorquidas pela polícia, mulheres como Didem enfrentam ameaças extremas de violência todos os dias.