Nelson Makengo
1990 | Kinshasa, República Democrática do Congo | Vive em Kinshasa
SOBRE | DEPOIMENTO
É cineasta e fotógrafo. Formou-se em comunicação visual pela Académie de Beaux-Arts de Kinshasa (2015) e em filme documentário pela École Supérieure Nationale des Arts de Métier de L’Image et du Son, Paris (2016). Seu trabalho se debruça sobre a história e a sociedade do Congo, do passado colonial até a atualidade. Seus filmes foram exibidos em diversos festivais como Saint Louis (2017), Clermont-Ferrand (2018), São Paulo (2018) e no Afrika Film Festival (2018), entre outros. Participou das bienais de Lyon (2017) e Lubumbashi (2018).
A ideia do meu trabalho intitulado E’ville é fazer uma apropriação dos relatos de duas personalidades políticas essenciais da história do Congo após a independência, em 1960, para reduzi-los à ilusão de uma história familiar, confrontando-os ao mesmo tempo com um patrimônio colonial em ruínas – uma maldição, eu diria. Mais de meio século atrás, Lumumba, o líder da libertação do Congo, fez um discurso em uma carta à esposa, embora dirigida a toda a nação congolesa, um discurso que até hoje nos deixou com uma atitude de eterna espera com esta frase amaldiçoada: "O futuro do Congo é lindo". O cruzamento entre as duas narrativas, ao trazer o ditador Mobuto à obra, representa um modo de confrontar essas diferentes narrativas que revolvem a estrutura política do Congo.
Vivi em Kinshasa por quase 23 anos e, pela primeira vez, em 2017, visitei Lubumbashi, na época da Bienal de Lubumbashi, onde participei de uma residência artística no Picha Art Center, fundado pelo artista congolês Sammy Baloji. Assim, a história de GECAMINES, minha obra apresentada na 21a Bienal, remonta à mineradora belga Union Minière du Haut Katanga [União mineradora do alto Katanga] (UMHK), criada pelo rei Leopoldo II em 1906.
Durante uma visita ao centro esportivo da empresa Générale des Carrières et des Mines [Sociedade Geral de Pedreiras e Minas] (GECAMINES), ao menos ao que restou dele, encontrei-me em um espaço ao mesmo tempo deserto e cheio de vida: esses espaços, cada um à sua maneira, deram-me a impressão de que as atividades não foram suspensas, mas, sim, que esperam um reinício. Longe de ser uma narrativa contemplativa da ruína, ou uma lição de moral, este filme é uma reflexão pessoal sobre a história de um lugar de memória. É também a história da desconstrução de um grande país tomado por seu passado e entusiasmado com as incertezas de seu futuro. Uma viagem interior sobre ideias recebidas, e também sobre essa realidade brutal, às vezes enigmática, que afasta as lágrimas e seca nossa saliva. Na medida em que a história do Congo é falsificada, os homens também são falsificados, nossas identidades são falsificadas, esta história é uma falsificação porque a nossa realidade não existe.
Na medida em que o Brasil também é um país que lidou com a escravidão e a colonização, penso que esse sentimento que meu trabalho implica reflete o absurdo de se transpor um conflito pessoal para algo que deveria ser mantido entre parte da memória coletiva e do esquecimento.
E'ville
2018 | Vídeo, 12’20’’
Visitando as ruínas de um complexo esportivo desativado, a câmera encontra restos que remetem ao passado recente da luta pela independência do Congo. Do cenário de desolação surge uma narração espectral que lê uma carta escrita por Patrice Lumumba à sua esposa Pauline. Principal figura da resistência contra as excepcionalmente cruéis forças coloniais belgas que dominavam o país, o político, após ser escolhido primeiro-ministro em eleições livres, foi deposto, perseguido e assassinado por opositores apoiados pelos Estados Unidos e pela Bélgica.